Ao lugar que o Senhor preparou
"Eis que eu envio um Anjo
diante de ti, para que te guarde pelo caminho, e te leve ao
lugar que tenho preparado." Ex 23.20
Estava linda aquela tarde de
março de 1978. Um sol vermelho coloria a paisagem e aos poucos se escondia
atrás dos montes; uma brisa agradável soprava mansamente. Todos estavam
silenciosos enquanto os quilômetros eram vencidos. Estávamos indo em direção ao
então Território Federal de Rondônia. Eu e minha esposa íamos para Vilhena,
cidadezinha que conhecíamos somente através do mapa. Nossos companheiros de
missão iam para mais longe. O Rev. Davi Correia e família, que voltavam de
férias, iam para Porto Velho, capital do Território. Os irmãos Leocádio Carpiné
e sua esposa Damaris com as três filhinhas seguiam para Humaitá, no Amazonas.
Um misto de alegria e tristeza
estava em nossos corações. Alegria por estar atendendo ao chamado do Mestre;
tristeza por deixar atrás parentes, amigos, irmãos, igreja, nossa cidade...
Entretanto, uma indizível paz, uma segurança e uma consciência maravilhosa da
presença de Deus enchiam as nossas almas.
Pernoitamos em nossa primeira
parada e passamos o domingo em Ourinhos, ainda no Estado de São Paulo, onde
tomamos parte ativa do culto da noite na Igreja Presbiteriana. A viagem foi
reiniciada na manhã de segunda-feira. Os dois veículos da missão estavam bem
carregados. Seus ocupantes se misturavam com instrumentos musicais, sacolas,
livros, roupas, pacotes de bolachas, etc. O espaço era pouco e o desconforto
era óbvio. Felizmente, até as crianças cooperavam, enfrentando com alegria o
longo e monótono asfalto. Quando se calavam e os risos cessavam, era porque o
sono e o cansaço as tinham vencido. Vez por outra, alguma coisa nova na
natureza nos chamava a atenção: pássaros exóticos, bandos de alegres
periquitos, casais de araras, ou uma solitária e alva siriema equilibrando-se
em uma só perna fina e comprida.
Finalmente chegamos a Cuiabá,
capital do Estado de Mato Grosso. Até ali, tudo havia ido muito bem. Dali pra
frente não teríamos mais asfalto; doravante era o quase intransitável trecho do
período das chuvas.
Trecho da estrada que liga Porto Velho a Cuiabá (1979)
Muitas vezes saíamos bem cedinho
de onde havíamos pernoitado; gastávamos o dia todo na estrada, e, quando
novamente a noite chegava, olhávamos no velocímetro e este indicava que
tínhamos percorrido tão somente 20 quilômetros num dia inteiro! Num só quilômetro
se chegava a atolar 4 ou 5 vezes!
Já no fim de um dia de tremenda
luta nessa estrada, após ter desencalhado o carro dezenas de vezes, caímos
novamente, e agora num pântano. Era demais! Subi no barranco à direita da
estrada, olhei a situação em ambos os sentidos da mesma. Era desanimador!
Parecia que o trecho à nossa frente era pior do que o já transposto.
Olhei o carro que afundava aos
poucos, tendo a água já começado a invadir seu interior, danificando livros e
outros objetos que levávamos acomodados no piso, único lugar onde havia espaço.
Muitos motoristas não suportavam
e esbravejavam, praguejavam até, por causa da desesperadora situação. Vimos
muitas cenas comovedoras por estas estradas onde passamos. Algumas eram até
deprimentes: caminhoneiros chegavam ao desespero vendo sua carga e seu caminhão
se perderem naqueles atoleiros monstros.
Certa ocasião, um deles, tendo já
esgotada toda a paciência e forças, estando atolados vários dias e sem
esperança e condições de poder sair dali, pediu ajuda:
"Ei, companheiros, dêem uma
mãozinha pra gente puxar esse caminhão prá fora do atoleiro!"
Os cinco homens que ali estavam
tentaram aconselhá-Io:
"É melhor você não fazer
isso, colega. Você não quer perder seu caminhão e sua carga, não é mesmo?"
"Já não me importo com mais
nada. Vocês não estão vendo essa gente toda desesperada? Esse gado vai morrer
antes de desembarcar. Outros, lá atrás, têm suas mulheres grávidas e precisam
chegar à cidade para que não aconteça que seus filhos nasçam aqui nesse fim de
mundo. Se a gente não tentar dar um avanço, a malária nos alcança e nos dizima
a todos."
Os caminhoneiros tentaram mais
uma vez, mas em vão:
"Mas você sabe que é uma
loucura tentar puxar um peso desses, nestas condições..."
"Não importa o que vai
acontecer. Vamos puxar assim mesmo. Eu não posso ficar aqui e esperar mais
chuvas..."
Nesse momento chegava um
rapazinho que tinha ido observar a estrada a alguns quilômetros à frente:
"Gente, aí pra frente a
coisa está muito pior. Ninguém mais passa."
Aí o caminhoneiro desesperou-se
de vez e implorou tanto, que os motoristas resolveram puxá-Io. O resultado foi
que uma parte do caminhão saiu e a outra, com toda a carga, ficou no buraco.
Um caminhoneiro nos avisou:
"Procurem não ficar para
trás. Enquanto eu estiver por perto eu os tiro dos atoleiros, e é bom vocês
saberem que daqui até Vilhena irão atolar muitas vezes."
Ouvindo o motorista falar,
confesso que fraquejei. Fiquei olhando para aquela estrada de lama que não
tinha mais fim! Pensei comigo: "Senhor, será isto mesmo que Tu queres de
nós? E para esse lugar que Tu queres mesmo que a gente vá? Está tudo tão
difícil! Será que não houve mal entendido?..."
Vendo a situação em que ficara
aquele motorista que havia perdido tudo, até mesmo a esperança de viver,
segurei com firmeza a mão de Jesus que me estava estendida e lendo dedicatórias
de amigos nas contracapas dos livros ou passando os olhos nos versículos
transcritos em cartões que os irmãos nos ofertaram, seguíamos em frente,
consolados. E, quando novamente esmorecíamos, lembrávamos da promessa de Deus: "Porque
eu, o Senhor teu Deus te tomo pela mão direita e te digo: não temas que eu te
ajudo."
Fortalecidos com estas palavras,
'avançávamos em direção à cidade, não nos importando com os infernais mosquitos-pólvora,
piuins, borrachudos, carapanãs e mucuins, atoleiros e pântanos; pois tínhamos
certeza de que o Senhor da Seara haveria de estar à nossa espera e nos daria,
enfim, a paz de espírito que tanto desejávamos.
Finalmente chegamos a Vilhena!
Parecia um sonho! Havíamos chegado ao destino. Passava da meia noite, a luz já
se havia apagado. A cidadezinha toda construída em madeira, muito feia,
esburacada e lamacenta e ainda mergulhada naquela escuridão, tinha um aspecto
lúgubre. Tudo era muito estranho para nós. Começamos a procurar alguma coisa
para comer, pois estávamos desfalecendo. Encontramos um barzinho iluminado por
um lampião e que àquela hora ainda tinha uma das portas abertas. O homem disse
que poderia arranjar "qualquer coisa", era só esperarmos, Dirigi-me a
um lavatório que havia num canto e abri a torneira. Não saiu nada. O dono do
estabelecimento riu e disse que o que eu estava procurando, ou seja, água
encanada em Vilhena era luxo. Trouxe-nos então uma bacia com uma água "cor
de chá" na qual lavamos as mãos. Era um ambiente sujo e mal cheiroso.
Comemos o que nos foi posto à mesa sem olharmos para os lados, isso para não
perdermos o apetite.
Enquanto comíamos, pensávamos em
Dorcas. Teria conseguido chegar à cidade? Onde estaria hospedada? Logo
saberíamos.
Naquela mesma noite, encontramos
com um irmão muito precioso, o jovem Presbítero Wilson Freire Emerich, que nos
avisou que Dorcas estava bem e se encontrava hospedada em sua casa. Esse irmão,
sua esposa Célia e dois filhinhos vieram do Paraná e eram recém-chegados ao
Território para tentarem vida nova. Crentes fiéis, dedicados, esses irmãos
foram aquele bálsamo para os nossos corações. Muito nos ajudaram quando de
nossa chegada ao campo missionário e muito mais no decorrer do trabalho.
Amanheceu bonito o dia seguinte.
Sol cIaro, cheiro de selva se misturando com o da madeira das construções. O
lugar nos pareceu menos feio do que na noite anterior. Começamos a descarregar
do carro a nossa "mudança", que agora se constituía de malas com
roupas, livros, instrumentos musicais e objetos de uso pessoal.
Estávamos ainda descarregando,
quando da casa se aproximou um burrinho puxando uma carroça com dois tambores.
Era o homem que abastecia de água as casas. Não havia água encanada, esgoto, ou
qualquer outra melhoria. A cidade estava vivendo seus primeiros anos. Aliás,
visto de cima, Vilhena era mesmo um pequeno grupo de casas ordenadamente
construídas, incrustada bem no meio da mata.
Mais tarde fomos conhecer o
salãozinho que os irmãos já haviam construído para a igreja, bem na orla da
mata e iluminado por lampiões. Conhecemos também o ranchinho ao lado, onde as
crianças se reuniam para aprenderem de Jesus. Conseguimos alugar uma casinha, a
qual a Junta de Missões pediu que comprássemos para ser a futura casa pastoral.
Era precária, porém nela já havia dois "bicos de luz" ligados e até
uma torneira no quintal, em que de vez em quando saía água, vinda de uma
ligação especial a um poço artesiano. Efetuada a compra, minha esposa conseguiu
rabiscar uma planta para algumas alterações, e então a casinha ficou bem
melhor. Os primeiros meses foram difíceis demais; duros ao extremo. A saudade
da família, dos irmãos da igreja, da nossa cidade e a difícil aclimatação, o
calor, a falta de comunicação e a desinformação a respeito de quase tudo o que
acontecia no restante do país, entre outros eram fatores negativos à nossa
adaptação ao campo e que haveríamos de vencer. Compramos um rádio com várias faixas
de ondas, com o objetivo de sintonizar as nossas emissoras do sul. A decepção,
no entanto, foi bem grande ao percebermos que só era possível ouvir emissoras
do exterior, ou às vezes transmissões da empresa Radiobrás com programação
voltada para a Amazônia. Tínhamos uma vontade imensa de ouvir alguma coisa
nossa, de nossa gente, do nosso Estado e da nossa cidade, porém, nada!
Uma noite, estava tentando
localizar uma grande e potente emissora do Estado de São Paulo, estava teimando
mesmo, queria sintonizá-Ia a qualquer custo e, de repente, entra na faixa a BBC
de Londres, no início de uma programação evangélica quando o locutor dizia:
"Jesus is the best news for your life!"(A melhor notícia para a sua
vida é Jesus!) Que alívio! Que consolo! Era daquilo que estávamos precisando.
Por que é que queríamos outras notícias? Por que querer outras novas, se a
melhor notícia para os nossos corações é Jesus Cristo? Como nos alentou o
coração e a alma aquela "boa nova" do rádio.
Passavam-se os dias e aumentava a
ansiedade. Era uma experiência completamente nova para nós. Estávamos agora,
nós dois, responsáveis por um vasto campo da Junta de Missões Nacionais. A
responsabilidade nos esmagava. Era bem diferente do trabalho que estávamos
acostumados a realizar durante anos em nossa igreja, junto com um grande grupo
de animados jovens e a liderança de um pastor que muito nos incentivava.
Por onde começar?
"Realiza a obra, Senhor,
através de nós!" Assim era nossa oração.
Olhávamos aquela cidadezinha que,
à época, mais parecia as do Oeste americano, e inquiríamos: quantos escolhidos
terá o Senhor aqui? Onde estarão? Como atingi-los?
Enquanto aguardávamos respostas
da parte de Deus, recebíamos as primeiras cartas de parentes e irmãos, e com
elas as respostas para as nossas indagações. Como era gratificante saber,
através das cartas, que muitos joelhos estavam dobrados em nosso favor e da
obra missionária! Que segurança podíamos sentir sabendo dessa retaguarda!
Era fundamental sabermos que não
estávamos sozinhos em tão grande obra! Era confortador sabermos que irmãos de
vidas consagradas e de orações fervorosas estavam conosco, ombro a ombro, na
divina empreitada! Aleluia!
Num culto dirigido num sábado à
noite, entre alguns visitantes estava a jovem Mara, de quem poderíamos dizer
ser o braço direito dos padres na catequese de crianças na igreja Católica.
Expusemos naquela oportunidade, à luz da palavra de Deus, e sem rodeios, o
plano da salvação através de Jesus Cristo, e só através dEle. Ouviu atenta a
mensagem, porém, com o semblante um tanto fechado. No domingo ela estava na
Escola Dominical, para nossa alegria estava também no culto da noite. Ouvia
tudo com muita atenção apesar do ar austero não se ter apartado dela. Na tarde
da segunda-feira seguinte recebemos um bilhetinho, o que nos fez ficar
apreensivos. Estejamos preparados, pensei: o que será o seu conteúdo? Ao
abrirmos e lermos, não podíamos conter as lágrimas. Ele dizia: "Ouvindo eu
a mensagem da palavra de Deus no culto de sábado, na Escola Dominical e à noite
no culto, senti algo diferente em meu coração. Entendi a mensagem não tenho
dúvidas, sou uma crente no Senhor Jesus a partir de hoje e é isso que eu quero
comunicar. Todavia, os meus pais não podem nem imaginar que tomei tal decisão e
já posso antever a reação deles quando souberem. É provável que nem me queiram
mais em casa". E ela tinha razão. A perseguição e a pressão que se
abateram sobre sua vida foi algo terrível. Impropérios, insinuações maldosas,
sugestões para que abandonasse de vez a família caso insistisse em envergonhar
a mesma. A nova filha do Rei precisava agora tomar muito cuidado com tudo
quanto levava para casa em termos de literatura religiosa para não vê-Ia no
lixo ou no fogo. Chegava às vezes chorando muito em nossa casa, dizendo:
"Orem comigo. A. tempestade
está muito forte, os ventos estão por demais impetuosos e eu tenho medo de sucumbir;
querem tirar Jesus do meu coração a todo custo." Após um tempo de oração e
de comunhão em tomo da Palavra, ela recobrava o vigor e, aliviada, estava
pronta para continuar lutando. Assim, dia a dia ia vencendo.
Até um namorado ímpio, incrédulo
e mundano arranjaram como arma para demovê-la da "idéia de ser
crente". O resultado foi que o Lucas se converteu ao Senhor Jesus Cristo
tendo ocupado até cargos de liderança na U.M.P. e o diaconato na Igreja de
Vilhena. "Fui em busca de uma namorada na igreja e encontrei Jesus",
dizia ele depois. Ambos se casaram, porém, com pessoas diferentes e vivem
felizes.
Deus ia mostrando-nos a sua
fidelidade a cada momento, a cada passo. Muitos outros frutos iam surgindo para
a glória do Seu nome e fortalecimento da nossa fé e confiança nas promessas
benditas da Sua Palavra. Como podemos esquecer, por exemplo, de conversão tão
linda como foi a do jovem Luis Lobianco, cuja vida transformada serviu de tanta
inspiração para o nosso ministério? Foram tantos os que iam chegando para o
Evangelho... Neuracy, João A. dos Santos, Souza, Benedito, Josefa, Luís Demer,
Neusa, e tantos outros. As famílias crentes já residentes ali iam também se
fortalecendo trabalhando e ganhando outros para Cristo. Louvado seja o Nome
precioso do Senhor que não falha, e nós tínhamos muitos motivos para exaltar e
glorificar a Deus.
QUEBRARAM A NOSSA SENHORA - Até mesmo algumas perseguições do
inimigo redundavam em bênçãos, como foi o episódio que vamos narrar: "Uma
pequena imagem de Nossa Senhora aparecera quebrada dentro de uma gruta
construída de pedras no pátio da igreja matriz. O padre de imediato atribuiu o
acontecido a 'serviço de protestante' e esteve até em nossa casa .com a polícia
para tratar do assunto não nos encontrando, entretanto, por estarmos em viagem
de atendimento ao campo. No domingo seguinte ele fez um sermão inflamado, cheio
de indignação, impregnado de ira, sugerindo aos seus fiéis que fizessem com os
crentes o mesmo que eles haviam feito com "nossa mãe santíssima"
Foi, todavia, a gota d’água que
faltava- para fazer transbordar o cálice. Era o que faltava para fazer com que
o Luis Demer, depois de muita luta espiritual, rompesse de vez com a
"santa madre igreja". Demer era, na época, um próspero comerciante
atacadista da cidade, em sociedade com outros familiares. Os padres tinham
muita esperança nele como líder, e até já haviam prometido uma capela para que
ele cuidasse. Era um católico apostólico romano sincero e praticante, por quem
já orávamos há muito tempo pedindo a Deus a sua conversão.
Luís e sua esposa Neusa, não
podendo concordar de forma alguma, à luz da Palavra de Deus, com a atitude tão anticristã
de seu líder, estavam desapontados, decepcionados: "Não é esse o ensino da
Bíblia, não pode ser!
Diz a Palavra no Salmo 119.140:
"puríssima é a Tua Palavra, por isso o teu servo a estima."
Enojado da podridão do mundo,
saturado com toda a sorte de imundície do ambiente em que antes vivia, o novo
convertido, em contato com a Bíblia Sagrada, tem agora todo o seu prazer em
examinar, estudar, aprender mais e mais, deliciando-se com a pureza da Santa
Palavra. Seus ensinamentos são por demais preciosos para a sua vida.
Assim era que, sempre que faltava
energia elétrica numa escola próxima à nossa casa - e isso era freqüente na
época das chuvas, quando o abastecimento de combustível para a usina geradora
era interrompido _ os nossos jovens iam para a nossa casa para estudarmos a
Bíblia. Que horas abençoadas eram aquelas! Quantos momentos maravilhosos!
Quanto gozo no coração de cada um!
Luís e Neusa haviam ido para a
reunião do cursilho do qual faziam parte. Entretanto, por falta de energia
elétrica e muita chuva, o encontro fora cancelado. De volta para casa, passaram
em frente a nossa e, estando portas e janelas abertas, lampião aceso, muitas
pessoas ao redor da mesa, e ambiente alegre, foram atraídas a pararem em
frente.
Algo, porém, os impulsionou a
entrar. Entraram pedindo licença e perguntando se podiam participar da reunião.
Deus é testemunha da alegria que
sentíamos naquele momento! Várias Bíblias haviam chegado pelo correio, por isso
podemos colocar a Santa Palavra nas mãos de cada um naquela noite para o
estudo. O Rev. Luiz Ricardo Monteiro da
Cruz, pastor itinerante da J.M.N. na época, estava conosco e dirigiu o estudo.
Deus usou naquela noite o seu servo de maneira tão maravilhosa, que cada passo
do estudo era concluído com emoção.
Sentíamos a atuação do Espírito
Santo de maneira tão fantástica, que os ensinos da Palavra caíam em nossos
corações como gotas preciosas de água cristalina em terra seca.
Todos terminamos o estudo
radiantes e muito gratos a Deus. Nossos visitantes estavam felizes. Demer se
expressou no final "Aprendi mais sobre Deus hoje e Sua Palavra que em toda
a minha vida".
Nossos encontros continuaram e as
nossas orações também. Assim os escolhidos do Senhor iam se convertendo,
cumprindo-se a promessa: "A fé vem pela pregação, e a pregação pela
palavra de Cristo"(Rm 10.17).
Luís hoje é presbítero da Igreja
de Vilhena e líder da mocidade, além de professor da Escola Dominical num
abençoado trabalho com os adolescentes.
Nossa alegria era muito grande,
pois a obra ia bem, os obstáculos iam sendo vencidos com a Operação do Espírito
Santo. Até um pequeno Conjunto Coral estava organizado, assim como uma bonita
equipe de jovens para o trabalho de evangelização. As sociedades internas iam
também se organizando, sendo grande o entusiasmo de todos. A nossa oração e
esperança ainda hoje é: "Aquele que começou a boa obra em vós, há de
completá-la até o dia de Cristo" (Fp 1.6b).
Pequeno coral da Igreja Presbiteriana de Vilhena
Deveríamos nos fixar em Vilhena,
porém abranger as áreas do Colorado D'Oeste e adjacências, além de abrir os
campos de Juína e Aripuanã, no Mato Grosso.
Colorado fica a 90 quilômetros de
Vilhena. À época, o percurso era feito mais em aviões pequenos, pois a precária
estrada do período da seca acabava-se totalmente na época das chuvas. É bom
lembrar que as viagens naqueles aviõezinhos teco-teco eram extremamente
perigosas, pois a manutenção deles era praticamente nula. Era comum voar-se em
aparelhos sem cintos de segurança, com portas que não fechavam corretamente e
até amarradas com arame. Voavam quase sempre com excesso de passageiros e
cargas, e muitos acidentes fatais ocorreram devido a esses fatores,
acrescendo-se a imprudência e falta de preparo da maioria dos pilotos. Num
desses acidentes perderam a vida dois alunos da nossa Escola Dominical; pai e
filho: Sr. Douglas Deflon e o filhinho Emerson, de seis anos de idade, ambos
carbonizados, quando o pequeno avião em que viajavam despencou sobre a selva,
incendiando-se. Às vezes, as pistas de pouso eram interditadas, como aconteceu
em Vilhena algumas vezes, quando os pesados Hércules da FAB atolavam, levando
dias para serem removidos, fazendo com que os aviõezinhos decolassem ou
aterrissassem em pistas improvisadas, ou até mesmo em estradas.
Pois bem, Colorado era um
lugarejo extremamente feio, sem nenhum planejamento e tinha um aspecto duro,
agressivo. Para lá eram atraídas muitas pessoas indo dos mais diferentes pontos
do Brasil em busca de um pedaço de terra doada pelo governo através do INCRA.
Muitas famílias chegavam com
extrema dificuldade, gastando muitos dias de viagem a fim de entrarem na fila
da seleção, na esperança de obter também o seu quinhão. Muitas pessoas varavam
noites na fila para não perderem o lugar. Após preencherem os requisitos
exigidos, recebiam a carta de ocupação do seu pedaço de terra, aliás, um bom
pedaço, com 42 hectares. Muitos, no entanto, ao receberem suas ordens de
ocupação, vinham saber que o seu lote ficava a 30, 40, 60 quilômetros do
patrimônio do Colorado, e que não havia estrada - e, às vezes, nem picadas na
mata, nem escola ou posto de saúde, nem vizinhos, nada enfim por perto. Muitos
homens gastavam de dois a três dias de viagem carregando o seu
"cacaio" (mochila com mantimentos) às costas até chegarem ao seu
terreno. Alguns mais fracos desfaleciam pelo caminho não suportando o rigor da
caminhada. Faziam com que o alimento que levavam durasse o maior tempo
possível, economizando mais do que podiam. Uma lata de óleo tinha uma duração
inacreditável, o mesmo acontecendo com o feijão, arroz, carne seca, etc.
Trabalhando duro e alimentando-se mal, tomavam-se vítimas fáceis de doenças
próprias da região. Muitos, ao contraírem malária, eram trazidos com
dificuldade para o patrimônio. Algumas mulheres, estando grávidas, esperavam
até o último minuto com a esperança de que a criança pudesse nascer lá mesmo,
no mato, com o auxílio de alguma parteira ou mesmo do marido. Quando isso era
possível, a alegria era geral. Se, porventura, o parto tivesse complicado, a
solução era arregimentar meia dúzia de homens, cortar uma vara bem comprida,
amarrar nela uma rede, colocar ali a mulher e caminhar, às vezes, uma noite
inteira, até um ponto onde seria possível encontrar recurso. Se, porventura a
criança nascesse no meio da viagem, comemorava-se o fato, retomavam felizes
para casa. No entanto, caso morresse a criança ou a mãe, ou ambas, abria-se uma
vala, sepultavam ali os corpos, jogava-se a rede nos ombros e voltavam para a
luta, pois a vida deveria continuar. Alguns não tinham coragem de levar a
família toda para lugar tão inconveniente; era um risco muito grande. Então, ia
o homem da casa em companhia de filhos maiores, e, enquanto trabalhavam duro
nas derrubadas, pois precisavam derrubar, fazer queimada, preparar a terra,
plantar e esperar a colheita para usufruir do fruto, a mulher e os filhos
menores ficavam no patrimônio trabalhando para o sustento dos homens no mato.
Lavavam roupas para fora, trabalhavam como domésticas, os pequenos engraxavam
sapatos e tudo quanto ganhavam era para a manutenção da família naquele momento
de extrema dificuldade. Em muitas ocasiões, após os homens terem trabalhado
duro, derrubando, plantando, construindo o barraco, tendo até, já, algumas
criações, estando por isso satisfeitos, vendo o grande esforço recompensado,
eram visitados pelos fiscais que lhes perguntavam pelo restante da família. Ao
dar as explicações de que até então não havia a menor condição de ter os
familiares ali, pelo fato de não haver nem mesmo picada aberta até o seu lote,
nem barraco, nem o que comer, mas que agora sim, estava já se preparando para
buscá-los, tendo já construído um barraco adequado, eram surpreendidos por uma
atitude que os deixavam desesperados: não querendo ouvir nenhuma explicação e
não dando a menor importância aos clamores dos humildes homens, tomavam a sua
terra e a davam para outro. Transtornados, começavam a correr em busca dos seus
direitos. Seus lamentos, todavia, não encontram eco em nenhuma repartição, suas
queixas não são levadas em conta, vêem todo o esforço, tempo e dinheiro tão
sacrificadamente empregados ali irem por água abaixo. Descontrolados com a
injustiça e não conseguindo reaver a propriedade com a qual tanto sonharam e
pela qual trabalharam, vão ter com o nova dono do que era seu e fazem justiça
com as próprias mãos. Muitos crimes dessa natureza ficaram impunes naquela
região.
Por causa de tudo isso, os homens
pareciam embrutecidos, duros e sempre temerosos dos ataques constantes; estavam
sempre prontos para o revide. Não era um clima muito "respirável"
naquela região à época.
Entre os imigrantes chegados de
todos os pontos para tentarem vida nova no Território, estava também o povo de
Deus. Sim, os filhos de Deus também chegavam ali, de lugares distantes para
começarem vida nova.
Num casebre à beira da mata já
funcionava um pequenino trabalho presbiteriano com algumas famílias que já se
encontravam "acampadas" no Colorado, esperando os seus lotes.
Gratas recordações estão bem
nítidas em nossa memória daquele início. Como eram gostosos aqueles cultos à
luz de lampião a querosene. Em noites de ventania, porém, era inútil mantê-lo
aceso, o que não fazia diferença: no escuro mesmo nós nos reuníamos. A
criançada, que no começo do culto estava tão "acesa", aos poucos ia
se "apagando", vencida pelo sono, tendo o barulhinho do lampião o
efeito de uma canção de ninar. Não agüentavam mesmo até o fim, No encerramento,
os maiores, despertados meio à força pelos pais, primeiro assustados e depois
aborrecidos e trôpegos, saíam em direção às suas casas. Os menores iam
completamente moles, adormecidos nos ombros.
A localização da
"igrejinha" era de difícil acesso longe do centro do patrimônio.
Certa vez quase caí com a minha "sanfona" na pinguela que tinha de se
atravessar para chegar lá.
Agradecendo a Deus o esforço
daqueles irmãozinhos até ali, reconhecendo a luta dos mesmos em construir o
salãozinho para a glória de Deus, propomos a mudança da igreja para um lugar
melhor. Nessa nova etapa contamos com a preciosa cooperação do irmão José Prado
de Lima, sargento da reserva que chegava ao Colorado com a sua esposa Luísa e
quatro filhos, depois de residirem em Vilhena onde foram um dos fundadores do
trabalho, ali, junto com os outros irmãos. Essa família foi uma grande bênção
para o trabalho tanto em Vilhena como no Colorado. Temos gratas recordações
desses irmãos queridos. Outras famílias também usadas pelo Senhor foram as
famílias do Sr. Pergentino, Emerich, Gonçalves e outras.
Para a glória de Deus e nossa
alegria, o presbítero Wilson e sua esposa Célia decidem dedicar-se à obra
missionária em tempo integral para trabalharem no vasto campo do Colorado.
Tomam-se assim missionários da J.M.N.. Num templo mais amplo, mais bem
localizado, com o obreiro residindo ali, a obra de Deus vai agora muito melhor.
O povo que Deus havia colocado ali começa a cumprir a missão para a qual o
Senhor realmente os tinha chamado: "Vós sois o sal da terra e a luz do
mundo". Sim, as "Testemunhas do Senhor" começavam a crescer e a
espalhar as boas novas da salvação. Aleluia!
Num domingo, após a Escola
Dominical, um irmãozinho se aproximou e disse: "Pastor, o senhor precisa
fazer uma visita lá “adonde eu moro”. Precisa dirigir um culto lá em casa. Eu
estou 'evangelizando' os meus vizinhos, e tudo o mais que eu sabia eu já
ensinei a eles, precisa agora o senhor ir lá ensinar mais."
"Com o maior prazer, meu
irmão", respondi, "é só marcarmos o dia." Ao chegarmos à data
marcada para o compromisso, o irmão já nos aguardava com o seu animal preparado
para conduzir principalmente a minha esposa.
No entanto, preferimos pôr nossa
bagagem no cavalo e irmos a pé. Pusemo-nos a caminho, entrando logo na mata
fechada. Caminhamos uma hora, duas, despontando numa clareira, entrando de novo
na mata, vencendo uma subida, mais outra; três horas, quatro, o cansaço começou
a dominar. Até para conversar enquanto andávamos tínhamos dificuldade,
ofegantes que estávamos. Às vezes caminhávamos silenciosos só ouvindo o irmão
falar, ou o troc-troc do casco do cavalinho; o sol já se pondo e ... nada!
Enfim, ao sairmos novamente numa clareira num descampado, o irmão aponta com o
dedo uma casinha lá tão distante ainda e diz:
"É lá pastor, é lá adonde eu
moro, lá, irmã Dorcas, onde tá saino aquela fumaça de chaminé."
Rcv. Luciano e Rcv, Luiz Ricardo prontos para viajar
Olhamos ao redor e não vimos qualquer outra casa, e nem sinal de outros habitantes por perto. E os vizinhos que ele está evangelizando? Viríamos a saber depois que os vizinhos a quem ele se referia ficavam a 03, 04,07 km de distância. A noite chegou acompanhada de prenúncio de muita chuva. Relâmpagos, trovões, espessas nuvens escuras cobriam o céu; começava a ventar forte.
Sentado num cantinho da sala, num
banquinho improvisado, disse ao irmão:
"Creio eu que hoje teremos
um culto bem informal, familiar, quando poderemos cantar bastante, ler a
palavra, orarmos, enfim, um tempo bem gostoso, só com a família, pois creio que
com esse tempo ameaçador não teremos outras pessoas presentes, não é?"
"Quantas horas o senhor tem
aí?"
"18: 30hs (dezoito e
trinta)", respondi.
"Pois bem, o culto está
marcado para às 19:30hs; vamos então esperar."
"Está muito bem,
irmão", disse-lhe eu.
Continuei sentado olhando o vento
forte nas copas das árvores, ouvindo o barulho característico da selva quando
está armando tempestade.
Em dado momento aparece, no meio
da mata, algo como que muitos vagalumes com suas luzinhas acesas. Firmei o
melhor que pude os olhos e então descobri: famílias inteiras de lanternas ou
faróis nas mãos, homens, mulheres, crianças que andavam já há três ou quatro
horas para virem assistir ao culto; muitos, andando com extrema dificuldade
pelas picadas da mata e carregando crianças pequenas.
Em poucos minutos a casinha do
irmão estava completamente lotada.
Após alguns minutos de descanso,
apresentações e um "dedinho" de conversa agradável, começa o banquete
espiritual: Um hino, outro, mais outro, um irmãozinho quer que eu cante aquele
seu predileto, outra irmã lembra-se do seu, e, vamos cantando. Quanta alegria
nos corações. As crianças muitas delas de pezinhos no chão, barriguinha grande
à mostra através da camisinha desabotoada, boquinha muito aberta deixando sair
uma vozinha estridente enquanto cantavam: "Eu só confio no Senhor", "A
minh'aIma está cheia de paz", "O céu é um lugar maravilhoso" e
outros corinhos, além de estribilhos de hinos mais conhecidos. Quanta
satisfação, quanto gozo podíamos perceber na fisionomia de cada um! Quanto
desejo de louvar ao Senhor! Era como se lêssemos no rosto de cada um o que está
registrado no Sl 103.1: "Bendize ó minh'alma ao Senhor, e tudo o que há em
mim bendiga ao seu santo nome".
Humildes, simples, desprovidos
quase que totalmente de bens materiais, no entanto muito mais felizes que
qualquer milionário. "Entristecidos, mas sempre alegres, empobrecidos, mas
enriquecendo a muitos, nada tendo, mas possuindo tudo" (2 Co 6.10).
Quando pensamos que tantos,
possuindo tudo (conforto, dinheiro, posições e outros tantos bens materiais)
não encontram razão e nem disposição para cantar, nos lembramos do que diz o
belo hino 120 do H.E.: "E tu, pecador que vagueias, que fazes ao teu
criador? I Não achas momento em que cantes / Um hino de glória ao Senhor?"
Oh, bendita riqueza do amor de Deus! Essa riqueza espiritual é que realmente
vale à pena possuir.
Éramos surpreendidos, de vez em
quando, nos cultos com algo que ficava gravado indelevelmente em nossos
corações. É, por exemplo, aquele irmãozinho de cabecinha branca, que se
levantava no meio do culto dizendo: "Deixa eu cantar um corinho aí na
frente com a minha velha, pastor?" Dada a oportunidade, cantavam os dois o
corinho "caminhando vou a Canaã", fazendo gesto como se fossem
crianças. É outro velhinho que se aproxima com uma surrada Bíblia dentro de um
saco plástico dizendo: "Lê pra mim, pastor, esse lugar aqui onde está
marcado. Eu não sei ler não, mas é muito bonito esse trecho". Ao lermos
para o irmãozinho, ele chorava de emoção e alegria. Não sabe ler, no entanto
"não pode" ir para o culto sem a Bíblia. Fazia bem ao seu coração ter
bem junto ao peito o Livro de Deus. "Oh como amo a tua lei..." (SL 119.97a).
Que reunião abençoada! Pregamos a
palavra, cantamos mais, oramos e... conseguimos terminar o culto, já passava
das 22 horas.
NINGUÉM VAI EMBORA - Ao ouvirmos esta frase com decisão, dos lábios
do dono da casa, perguntamos no íntimo: "Onde irá dormir todo esse
pessoal, Senhor? Como acomodar todo mundo nesse ranchinho?" Em seguida,
ele olha para nós dizendo:
"Pastor e irmã Dorcas, a
cama de vocês já está arranjada. Na hora que quiserem podem ir dormir". Agradecemos
dizendo que iríamos dormir sim, pois o cansaço era grande.
Dirigimo-nos para a esteira a um
canto onde ele havia nos indicado. Abençoado momento! Que alívio poder deitar
ali. Em poucos minutos estávamos pegando no sono enquanto ouvíamos os irmãos
que nos hospedavam ultimar os preparativos para agasalhar todo mundo. Uma das
últimas frases que ouvimos ó dono da casa dizer antes de pegarmos no sono foi
essa: "Depois da porta fechada cabe todo mundo." E coube mesmo.
No dia seguinte a animação e a
alegria não eram menores. Todos querendo saber como havíamos passado a noite, e
interessados no local do culto daquela noite. Ninguém mais trabalha.
Aposenta-se o machado, a enxada; agora é só trabalhar para o Senhor. O próximo
culto seria distante dali cerca de seis quilômetros pelo meio da mata. Todos se
preparam com muita animação, inclusive a irmã Leir que, diante da nossa
advertência de que não deveria ir, pelo fato de estar gestante de seis meses,
acrescendo ainda o fato de o riacho ter levado embora a ponte, exclama:
"Pastor, eu vou sim, e vou
atravessar dentro d'água se precisar, e vou deixá-lo para trás", brincou.
"Começamos, então, um a um, a descer o barranco e a
entrar na água
Era comovente ver a trilha sinuosa
na mata cheia de irmãos andando animados, conversando, cantando e levando às
costas os nossos instrumentos musicais.
Ao chegarmos ao riacho, de fato
não havia ponte. Começamos, então, um a um, a descer o barranco e a entrar na
água, começando a travessia com cuidado por causa da correnteza. Parece-me
ainda estar vendo o irmão Nicodemos a rodopiar já do outro lado, com um saco às
costas e água pela cintura tentando subir o barranco.
Alguém estendia lhe a mão para
puxá-lo para cima. Quem poderia ser? Sim, a irmã Leir, que já do outro lado
quer agora ajudar os outros na travessia.
Ao chegarmos, outra festa espiritual
abençoada se pronuncia para aquela noite. Outros irmãos chegando também de
longe para o culto, desejosos de ouvir de Jesus, ansiosos pela hora do culto,
todos querendo alimentar-se do Pão vivo que desceu do céu, e que dá vida ao
mundo. Aleluia!
Era heróico o povo que vivia ao
longo daquelas linhas demarcadas pelo INCRA, no meio da mata virgem da região
do Colorado naquele ano de 78. Muitos já estavam lá há muito tempo. O fato de
se morar naquela selva sem as mínimas condições para o fazer, era uma aventura.
Precisava-se ter coragem. Na verdade, corajosos mesmo eram os filhos de Deus
que ali residiam. Não mediam esforços, percorrendo pelas picadas, muitas vezes,
distâncias enormes para ouvirem a palavra de Deus. Com a mesma disposição com
que lutavam pelo alimento material, buscavam o espiritual para as almas.
A MULHER DO MACHADO A TIRA-COLO - Alta, magra, cabeça alvejando e
sempre animada. Era assim a irmã Santa quando a conhecemos. Andava cerca de 42
quilômetros, para poder ir à igreja, vencendo grande trecho através de picadas
abertas na mata. E bem verdade que não poderia estar todos os domingos, nem era
possível; entretanto, uma ou duas vezes por mês, lá estava ela. Saía de casa na
sexta-feira, e no domingo pela manhã, estava chegando para a Escola Dominical.
Ficava quase sempre de pé para dar
lugar aos visitantes - segundo ela - e chorava enquanto a Palavra era lida,
acontecendo o mesmo enquanto orávamos, e chorava mais ainda ao ouvir a igreja
cantar.
Preocupada, um dia, minha esposa
se aproximou e perguntou: "A senhora tem algum problema que lhe aflige
algo em que possamos ajudá-Ia?"
"Não, minha irmã",
respondeu ela. "Eu tenho como problema somente o fato de ser pobre, mas
isso não me entristece, pois eu possuo a maior e mais maravilhosa riqueza que é
Jesus. Eu choro é de alegria por estar na casa de Deus e com os irmãos."
Ficamos sabendo a razão do machado que levava, às vezes, para á igreja.
"Um dia, quando faltavam
mais ou menos uns dez quilômetros para eu chegar à igreja, o rio havia levado a
ponte embora. A correnteza era muito forte e, não sabendo nadar, fiquei sentada
muito tempo na esperança de conseguir auxílio para atravessar, ou mesmo que as
águas baixassem. Como isso não aconteceu, e não podendo esperar mais e nem
adiantaria, voltei para casa chorando por não ter podido chegar à igreja.
Agora", disse ela,"eu me preveni. Quando isso acontece, eu corto uma
árvore e improviso uma ponte e atravesso". Que bênção! Anda praticamente
dois dias para ir à igreja, alimentando-se mal com refeições frias, passando
noites em redes nos casebres à beira do caminho, improvisando pontes para
atravessar rios e, quando chega à igreja, chora de alegria por estar ali!
Que lição preciosa para mim! Que
antídoto contra qualquer atitude comodista! Como deveriam estar arraigadas no
coração daquela e de tantos outros irmãos queridos as palavras do Salmo 84:
"Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos exércitos! A minha alma
suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne
exultam pelo Deus vivo”.
Como éramos enriquecidos no
convívio com aqueles irmãos, e como era sublime ver Deus operando tantas
maravilhas. Tomamos conhecimento de experiências marcantes, arrebatadoras, que
irmãos tiveram com o Senhor.
Conhecemos o Sr. Avelino lá no
Colorado. Morava num casebre bem pobre beirando a mata. Um dia ele nos contou a
sua história: Era um homem angustiado, aflito, tenso, inquieto. Um vazio muito
grande e terrível estava sempre no seu coração. Havia ausência completa de
serenidade em sua alma; e, à medida que os dias iam se passando, aumentavam
também, os sofrimentos em seu coração. A paz que tanto almejava parecia cada
vez mais longe dele. Essa aflição já beirava a loucura. Não conseguia mais se
alimentar. Quando sua esposa preparava a comida, ao colocá-la no prato, via não
o alimento, mas sim toda sorte de imundície. Enojado, atirava longe a comida
com o prato e tudo. Tinha fome, ia às panelas sobre o fogão, entretanto o que
via dentro era somente sujeira. Ia tudo para o chão.
Um dia, sua aflição chegou a tal
ponto que resolveu fugir para longe. Foi para um lugar distante de casa. Queria
ficar sozinho, meditar, tentar encontrar alívio para o seu coração.
Sentado à beira de um caudaloso
rio, próximo de uma cachoeira, teve a infeliz idéia: a morte seria a solução.
Viu uma pequena canoa amarrada na
barranca do rio; foi até lá; desatou-a; entrou nela e remou para o meio do rio.
O restante a correnteza se encarregaria de fazer. No entanto,
inexplicavelmente, a canoa começou a rodopiar no meio sem seguir o curso da
água. Naquele instante ele começou a chorar e a clamar pela misericórdia de
Deus.
Pedia que, se fosse para
continuar vivendo, que pudesse experimentar a verdadeira paz para o seu coração.
Naquele momento, contou ele:
"Senti como que uma mão
pousar sobre a minha cabeça e uma indizível sensação de bem-estar, uma leveza,
um alívio, um gozo e uma alegria tão maravilhosamente me envolveram a alma que,
agora sim, estava chorando copiosamente; não podia de forma alguma conter as
lágrimas. Chorava não de tristeza, mas de alegria, de satisfação, de gratidão a
Deus por algo tão maravilhoso estar acontecendo comigo. Remei com todas as
forças que tinha para a beira do rio, desci, amarrei de novo a canoa e saí
correndo para contar à minha esposa o que havia se passado comigo."
No caminho de volta, vê uns
lavradores que, na pausa para o almoço, descansam sob as árvores. Ao verem-no,
convidam-no para almoçar. Ele se achega, agradecendo, mas recusando a comida,
preocupado, apesar de sentir o aroma agradável da mesma. Ao olhar para as
marmitas, não vê sujeira alguma, dada a insistência daqueles homens, que nem
conhecia, e o apetite que estava sentindo, aceita e, pela primeira vez após
muito tempo, consegue comer. Sentindo-se curado e liberto pelo poder de Deus
mais eufórico fica. Chega a sua casa, vê a mulher no quintal e abre os braços,
rindo e chorando, desejando abraçá-Ia. Ela, assustada, pensando no tratamento
violento do esposo para com ela nos últimos tempos, tenta se defender, pensando
em mais uma agressão. Com muito custo conseguiu fazê-Ia ouvir o que tinha para
lhe contar:
"De agora em diante eu sou
uma nova criatura."
Jesus Cristo operara
maravilhosamente na vida daquele homem assim como operou na vida do endemoninhado
de Gadara, o qual vivia entre os sepulcros, não se vestia e andava a clamar dia
e noite, ferindo-se nas pedras, sendo o terror dos habitantes da região. Chegando,
pois, ali, Jesus tirou-lhe o tormento, libertando-o pelo Seu poder, fazendo-o
ficar assentado, quieto, em perfeito juízo aos pés do Senhor (Mc 5.1-20).
Após ouvir a mensagem salvadora
de Jesus, num culto em casa do irmão Hélio, o Sr. Ataís percorre a trilha
sinuosa da mata em direção à casa para deixar lá a esposa e os filhinhos,
naquela noite de prenúncio de grande tempestade. Andou quase a noite toda, na
viagem de ida e volta, e, às seis horas da manhã, chegava novamente onde
estávamos trazendo nas mãos uma velha Bíblia a qual possuía há muito tempo;
porém guardada.
Extasiado com a Palavra que lhe
penetrava na alma, ele queria compartilhar conosco a sua alegria e ter mais um
tempo de comunhão, conversando, perguntando, perguntando, ...
Em dado momento ele diz:
"Olha, eu quero também ler a
Bíblia; eu sei ler, e vou mostrar que sei." Começou a folhear a Palavra
até que parou num lugar "qualquer" e disse:
"Vou ler aqui mesmo, pois
tudo é Palavra de Deus, não é?" E começou:
"O povo que andava em trevas
viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes
a luz"(ls 9.2). Tão emocionados
ficamos que não pudemos conter as lágrimas. Que mensagem para todos nós!
Eram desbravadores do Senhor.
Rev. Luís Ricardo, um apaixonado pela obra missionária, especialmente pelo
campo de Rondônia, estava novamente conosco, pois era, na época, pastor
itinerante da J.M.N. Foi na companhia preciosa desses irmãos que desfrutamos de
momentos inesquecíveis caminhando pelas trilhas, pântanos e pelas águas,
levando a preciosa semente.
Chegamos certa vez com a nossa
velha Rural Willis até onde pudemos, até onde havia pelo menos projeto de
estrada. Aliás, era muito interessante a maneira como tínhamos de dar
assistência ao campo do Colorado no inverno. Saíamos de Vilhena num aviãozinho,
depois de carro percorríamos um trecho, mais adiante pegávamos às vezes um
animal e a viagem era concluída a pé. De volta, como é óbvio, era uma
progressão: saía-se a pé e chegava-se de avião.
Era interessante passar algum tempo,
principalmente aos sábados, na beira da pista de pouso em Vilhena vendo os
aviõezinhos que chegavam do Colorado: depois de parado o motor e abertas as
portas, começavam a descer os porquinhos, galinhas, os colonos (parceleiros, como
eram chamados) com sua "traia". Eram os trabalhadores que não tinham
outro meio de chegar à cidade trazendo algum produto para vender, ou mesmo para
a família que residia em Vilhena.
Pois bem, a estrada terminava, e
o recurso era continuar a pé. Havia naquela região dois rios: Rio Enganado e
Rio Escondido. No período das chuvas eles alagavam completamente uma vasta área
mais baixa, deixando completamente isoladas as pessoas que moravam do outro
lado; e isso durava meses. O mantimento para as famílias era transportado às
costas, com extrema dificuldade, assim como alguém enfermo que precisasse de
socorro no Patrimônio. Não era fácil transportar um doente nos ombros durante
duas ou três horas pelas águas na picada cheia de troncos, espinhos, etc. Do
outro lado havia também o povo de Deus que estava evangelizando outros,
ganhando-os para Cristo, e nós precisávamos dar assistência.
Depois de algumas horas, termina
também o trilho seco; agora, é enfrentar as águas.
"Onde é a entrada da picada?"
perguntamos a uma mulher que lavava roupa acocorada na beira do rio.
"É aí mesmo!"
"Onde?" perguntamos.
"Aí mesmo onde estão
olhando."
Compreendemos, então, que
deveríamos abrir a picada no peito, pelo menos o início dela.
"Cuidado com as
arraias", disse-nos a mulher.
Como ter cuidado se não víamos
nada sob os nossos pés? A água completamente turva impedia que víssemos
qualquer coisa no fundo. Agradecemos, entretanto o seu aviso.
Deus haveria de cuidar de nós.
Aliás, não era só com as arraias que deveríamos ter cuidado, mas sim, também,
com os tocos, troncos submersos, cobras, espinhos e os mosquitos transmissores
da malária.
Quando chegamos à entrada do
pantanal, vimos uma placa advertindo para que ninguém fizesse a travessia pela
manhã ou no fim da tarde, hora em que eles atacam. Que fazer? Voltar? E o culto
marcado? E o nosso compromisso? E as pessoas que, àquela hora, já deveriam
também estar, quem sabe, caminhando para o local da reunião? Deus haveria de
nos proteger. Entramos na água, para sair três horas depois. À medida que
caminhávamos, aumentavam as dificuldades. As águas iam ficando mais profundas,
cobrindo ás pequenas pontes de troncos de árvores. Por outro lado, a vegetação
era tão densa e cheia de espinhos que, para avançarmos, tínhamos dê submergir,
tendo só a bagagem acima d'água.
Felizmente esses trechos eram
curtos. Devíamos estar no meio da caminhada quando o nosso guia, missionário
Wilson, disse estar confuso naquele emaranhado, não conseguindo divisar a
continuação da picada. Parecia haver uma bifurcação. Qual seria a direção
certa?
Parados ali com a água pela
cintura olhamos para o céu além das copas das árvores; ele indicava que o sol
já estava se pondo; pelo seu aspecto, em breve chegaria a noite.
"Dormir em uma dessas
árvores não deve ser nada divertido", brincou um dos nossos companheiros.
Wilson, finalmente optou por um caminho que nos levou à margem do rio e agora
se tornou fácil para o missionário se orientar.
Caía a noite quando chegamos ao
lote do nosso bom irmão José Silva. Ele nos recebeu admirado por termos vencido
a alagação. Que momentos preciosos e inesquecíveis tivemos em comunhão com esse
irmão e sua família. Que grande conforto foi para nós chegarmos àquele lar; com
que alegria estávamos ali apesar de toda dificuldade, por sabermos que aquele
irmão não media sacrifícios, percorrendo quilômetros e quilômetros para estar
na casa de Deus, no Patrimônio do Colorado.
A reunião daquela noite foi maravilhosa.
Pudemos sentir a presença viva do Espírito Santo edificando-nos através das
orações, dos cânticos e da mensagem transmitida pelo Rev. Luís Ricardo com
tanto poder.
Alguns convidados que
compareceram ao culto, no dia seguinte, perguntaram ao irmão José Silva:
"Quanto àqueles homens
cobraram para vir aqui?" Ao que o irmão respondeu:
"Nada! Eles vieram trazer de
graça aquilo que de graça receberam um dia: a salvação em Jesus." Isso
eles perguntaram porque, segundo soubemos, o padre da região cobrava naquela
época Cr$ 600.000,00 para visitar seus fiéis, isso antes do pantanal, até o
local onde o jipe ainda pudesse chegar.
Naquela região ainda agreste,
pontos de pregação iam sendo abertos, Escolas Dominicais sendo organizadas,
muitas conversões mostrando a operação maravilhosa de Deus no meio daquele
povo, solidificando assim a fé dos crentes e animando-nos para a grande obra.
Deus ia mostrando dia a dia a Sua bondade, amor e misericórdia nas pequenas e
grandes coisas. Somos tentados a acreditar muitas vezes nas coisas mínimas que
acontecem em nossas vidas na conta do acaso, como se para o crente houvesse
caso. Nossos olhos precisam estar abertos e o coração sensível para percebermos
a providência de Deus em tudo.
Entre as famílias que haviam
chegado ao território, havia a do Sr. Adão, vinda do Rio de Janeiro, que,
embrenhada naquelas matas, luta muito para vencer. Num ponto de pregação
existente ali é alcançada por Jesus Cristo. Certo dia o garotinho da casa chora
desesperado com saudade da fartura da sua terra e ali tudo tão difícil! Ele queria
comer carne a todo custo; e na sua fé inocente, ora pedindo-a a Deus. O pai,
comovido, apanha com resolução a sua espingarda e sai.
Em menos de uma hora retoma
trazendo carne para muitos dias. Ele havia matado uma grande anta. Naquele dia,
quando chegamos ali, encontramos o garotinho radiante ajudando o pai a
"tratar" da caça.
Em certa ocasião o sítio do irmão
José Silva foi motivo de espanto para muitos incrédulos. Houve na região uma
praga que devastou muitas plantações; porém não atingindo o seu sítio. Podia se
ver claramente a divisa da sua terra cuja plantação verde e sadia contrastava
com a devastação nas áreas vizinhas.
Percorrendo com o pai o sítio, a Marcinha,
filha caçula, perguntou:
"Pai, porque ali as plantas
morreram e aqui não?" Ele emocionado pode responder à filhinha:
"Porque aqui Deus tomou
conta!".
Pudemos ver sim, nas pequenas e
nas grandes coisas, a manifestação do amor de Deus nas vidas daqueles irmãos.
Porém, um dos fatos que mais nos
impressionou foi o que aconteceu com o Sr. Antonio feiticeiro! Aquele homem de
aparência horrível. Vivia das práticas da magia negra, cujo livro macabro consultava
religiosamente. Ele mesmo dizia que falava cara a cara com Satanás, a quem
chamava de "meu rapaz".
Sempre que o via, o irmão José
Silva não perdia a oportunidade de anunciar-lhe o Evangelho e convidá-lo para
assistir aos cultos em sua casa.
Dona Maria, esposa dele,
juntamente com os filhos, foi ao culto, gostou e tornou-se freqüentadora
assídua do ponto de pregação. Certa vez, quando estávamos lá, após o culto, ela
contou à Dorcas que ha- via aceitado a Jesus como seu Salvador e que a sua
grande preocupação era com a filhinha menor que, ao nascer, havia sido dedicada
a Satanás pelo marido. Oramos muito por ela e seu lar e, numa determinada
noite, o Sr. Antonio resolve ir ao culto. Aceita uma Bíblia e diz para o irmão
José Silva:
"Vamos ver o que este livro
pode me oferecer". Por mais ou menos três meses estuda a Bíblia, deixando
o livro da magia guardado. Em sua mente dominada pelo inimigo, a Palavra fica
gravada; porém, não para a salvação. Devolve a Bíblia e diz que quer ficar com
o diabo, pois ele é bom.
Sua filhinha caçula juntamente
com os irmãozinhos aprende a cantar hinos e corinhos e, no terreiro do lar
paterno, brincam de culto, cantando seus corinhos prediletos.
Certo dia, porém, a pequenina,
preferida do pai (tanto que ele a entregou para Satanás a quem julgava amigo),
adoece. Uma febre muito forte faz encher de feridas a sua boquinha. Antes de
qualquer coisa, seu Antonio consulta o "seu rapaz" que lhe dá a
receita: dar cachaça para a criança beber e friccionar o seu corpo com a
bebida, e assim ele fez.
Foi o suficiente para as feridas
rebentarem por todo o corpo da criança. Desesperados, pai e mãe a levam para o
hospital, no Patrimônio. O Dr. Batista, o único médico ali na época, repreendeu
os pais por levarem a menina tão tarde para o socorro. Tentaria salvá-la, mas o
seu estado era desesperador. Tudo, porém, foi inútil; a pequenina morreu e foi
sepultada lá mesmo na cidadezinha. Sr. Antonio, porém, não se conformava. Tomou
muita cachaça e teve uma idéia: já que sua filhinha querida morrera, já que
Satanás tinha "aprontado" com ele, não queria mais viver. Iria para
casa, mataria a mulher, o restante dos filhos, e depois acabaria com a própria
vida. Nessa horrível disposição, pôs-se a caminho de casa.
Já era de tardezinha. Sobre uma
árvore, aguardando a noite, na espera de uma caça, estava o irmão Salvador,
crente, que também havia se convertido ali, naquele ponto de pregação. Ele vê o
seu Antônio passando pelo trilho e pergunta como ele estava. Ele conversa
normalmente, não deixa transparecer o seu terrível intento, só o que diz é mais
ou menos isso:
"Satanás é assim mesmo, a
gente confia nele e no fim ele deixa a gente na mão..." Segue tristonho o
seu caminho.
Tarde da noite, após ter matado
uma paca, o irmão Salvador já está pensando em voltar para casa, quando ouve na
mata, sons completamente estranhos. Ele procura, com sua experiência de
caçador, descobrir que animal podia estar vindo em sua direção, fazendo todo
aquele barulho. Não é onça. O que vem está quebrando tudo. Olha com atenção no
rumo do barulho, nada vê. Ouve o estalar de galhos sendo quebrados, o barulho
misterioso se aproxima.
"O que será isso, meu
Deus?" Seus cabelos chegaram a ficar em pé!
"Seria um bando de índios?
Não, não pode ser." Teve vontade de começar a atirar com a sua espingarda,
pois aquilo já estava chegando muito perto, mas lembrou-se do conselho de seu
pai: "Nunca dê um tiro sem antes ver no que vai atirar." Esperou,
sentindo que o que quer que fosse estava perto; acende sua lanterna na direção
da mata. O que vê o deixa perplexo: D. Maria e as crianças com as roupas em
tiras, corpos feridos e sangrando pelos espinhos e galhos, vieram correndo pela
mata, os vários quilômetros, procurando chegar à casa do irmão Salvador. Quando
ela o vê, em prantos e tremendo, conta que o marido quer matá-la e as crianças
e teme que ele esteja em seu encalço. Salvador pede para que tenham calma e diz
que Deus não permitirá que nada de mal lhes aconteça.
Pega a sua caça e vai à frente
iluminando o trilho, enquanto ela e as crianças apavoradas o seguem. Ao
chegarem, D. Maria conta para o casal o que acontecera: Ao chegar a sua casa, o
marido a chamou, bem como as crianças, e mandou que se sentassem num banco à
sua frente. Com a espingarda na mão lamenta o fato da filhinha ter morrido e
diz que vai matá-los a todos e depois acabar com a sua vida também.
Levanta a arma, aponta para a
família e, quando ia dar o primeiro tiro, a arma lhe cai das mãos, e ele fica
inerte, como morto. Nessa hora, D. Maria aproveitou para fugir com as crianças.
Naquele lar humilde, tarde da
noite, o irmão Salvador e sua esposa confortam aquela mulher sofrida. Lêem o
Salmo 91, oram e pedem para que ela repouse, pois, mal algum chegará ali.
Exausta como estava, ela dorme. As crianças, já atendidas, vendo a mãe dormir
tranqüila, também se acalmam e até vão para o terreiro ver o irmão Salvador
limpar a caça.
No dia seguinte, D. Maria se
levanta já refeita pela noite bem dormida e resolve voltar para casa. O que
teria acontecido com seu Antônio? Pega as crianças e vai. Ao chegar, ô encontra
na mesma posição da noite anterior. Com cuidado se aproxima devagarinho e com
jeito lhe tira a arma e a esconde num lugar seguro. Fica por ali, arrumando uma
e outra coisa, procurando agir o mais normal possível. Ele desperta, levanta e
sai para o terreiro, o coração oprimido pela saudade da filhinha. Ali, olha
para um toco de árvore e parece rever a pequenina sobre ele, com os irmãozinhos
ao redor, cantando: “Oh, eu amo a Cristo, sim eu amo a Cristo! Oh, eu amo a
Cristo! Porque ele morreu por mim! Aleluia!"
Seu Antônio não agüenta mais. Cai
de joelhos, em pranto e grita:
"Consolador, se é verdade
que existe, me console agora!" Ali, de joelhos, chorando, vai aos poucos
sentindo a imensa dor sendo acalmada no seu peito. Levanta aliviado, enxuga as
lágrimas, pega o livro maldito e o queima no fogo.
Passados vários anos não mais
tivemos notícia dessa família, porém, nossa oração é que eles continuem firmes
no Senhor Jesus.
Deixamos aqui o alerta: Satanás
faz as suas obras, finge-se de bom e até transforma-se em anjo de luz. Ele é o
pai da mentira, e, se alguma coisa "aparentemente" boa faz, o preço
que cobra é alto demais. Vale a pena confiar naquele que Se deu por nós: Jesus
Cristo!
Assim, para conforto e alegria
nossa, obreiros do Senhor, Deus concedia o gozo de podermos ver famílias
inteiras convertendo-se, como a numerosa família do irmão Aparecido Nunes
Ribeiro que, fiéis da igreja romana, haviam construído uma capela, próximo à
sua casa, tendo parte ativa na direção. Agora, salvos por Cristo, eles
trabalham para "arrancar" as pessoas dali e as levarem aos pés do
Supremo Salvador Jesus. No mês de fevereiro de 1979, com júbilo no coração,
pudemos receber por profissão de fé e batismo o primeiro grupo composto de dez
pessoas, frutos do trabalho nascente, e no mês de maio do mesmo ano outro grupo
de doze irmãos professavam a sua fé em Jesus e recebiam o batismo, sendo que
metade desse grupo pertencia à família do irmão Aparecido.
"A igreja, na verdade, tinha
paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se no temor do Senhor e,
no conforto do Espírito Santo, crescia em número." (At. 9:31).
De Rondônia ao Mato Grosso
"Esforçando-me deste modo
por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar
sobre fundamento alheio." Rm 15.20
A viagem para Juína, feita por nós
pela primeira vez, foi difícil por não conhecermos o caminho. Nós saíamos de
Vilhena às primeiras horas da manhã e rodávamos o dia todo até atingirmos o
lugarejo.
Não cruzávamos, na maioria das
vezes, com qualquer outro viajante ao longo daqueles 240 quilômetros. Ninguém à
margem da estrada ou qualquer casa. Era realmente uma região selvagem. Antas,
quatis, veados, macaquinhos e outros animais eram vistos sempre.
Em certa ocasião, um grande
veado, assustado com o "ronco" do motor do carro, quando dormia
tranqüilo, deitado no leito da estrada, começou a correr na frente do veículo;
é correu quase um quilômetro até que conseguiu, numa manobra espetacular,
entrar no mato, perdendo assim a minha esposa a oportunidade de acertá-lo.
Acertá-lo com a máquina
fotográfica, pois, em termos de caçada, ela sai em defesa de todos os animais.
Os caçadores hão se sentem nem um pouquinho motivados por ela quando lhe contam
as suas "proezas". Pelo contrário, muitos são desestimulados. Foi o
que aconteceu quando encontramos o nosso amigo, Sr. Martins, muito eufórico
numa noite de domingo naquela estrada erma, quando vínhamos de volta de Juína,
Minutos atrás, ele havia abatido uma enorme onça. Uma das presas desse animal
eu tenho diante de mim enquanto escrevo esta página. Ele nos deu de presente.
Tal foi o sentimento de compaixão da Dorcas pelo animal, tão penalizada ela
ficou que, se o homem pudesse, devolveria a vida ao bicho.
Todavia nós nos alimentamos muito
de caça ali no começo, pois, era o que estava "mais à mão". A área
estava sendo aberta e nenhum cereal ainda se havia colhido.
Duas famílias presbiterianas já
residiam no projeto, enfrentando todas as dificuldades nesse tipo de
pioneirismo. A nossa primeira viagem a Juína tinha dois objetivos: dar
assistência às famílias e verificar a possibilidade de iniciarmos o trabalho
evangélico ali.
Queríamos realizar um culto
naquela oportunidade e, graças a Deus, conseguimos um galpão onde os
trabalhadores da CODEMAT (firma que estava construindo a cidade) tomavam
refeição. Ali, dirigimos o primeiro culto da cidade que nascia. Foi uma noite
memorável. Dezenas de crianças e adultos, muitos batendo de vez em quando a
cabeça nos fardos de carne seca pendurados pouco acima, cantavam pela primeira
vez hinos e corinhos e ouviam a palavra do Senhor ser anunciada.
Aquele primeiro culto evangélico
na cidade de Juína ficou marcado em nossos corações. Outros cultos se
sucederam, ora no galpão, ora em frente a alguma das casinhas.
Muitas pessoas estavam chegando
para o nosso meio atraídas pelas "Boas Novas" de salvação na Pessoa
de Jesus Cristo.
O padre em Vilhena fica sabendo
que a pequena população de Juína está sendo "envenenada" pelos
protestantes. Aí inicia uma luta: numa semana vai o padre de Vilhena para Juína
em socorro dos que foram atingidos pelo "vírus do Evangelho" levando
o antídoto da ira, avisando o povo para tomar cuidado com os "filhos do
diabo" que chegavam por lá. E na outra semana vamos nós de novo levando
mais "veneno", e a corrida fica interessante: ora um culto, ora uma
missa. Enfim, a "disputa" com o padre durou mais ou menos seis meses,
até que, pela graça de Deus, após muitas dificuldades, conseguimos, através das
autoridades ali, um pequeno terreno medindo 840 m2, num local considerado
impróprio da época.
As áreas mais centrais e melhores
já estavam reservadas, sem que ninguém as houvesse solicitado ainda, para a
"santa madre igreja".
Erguemos, para a glória do Senhor,
o pequeno templo de madeira com duas salas que serviriam de pousada pastoral.
Com que regozijo a Dorcas e eu pintamos, ornamentamos e cuidamos dos preparativos
para a inauguração e consagração a Deus daquela Casa de Oração; o que aconteceu
no mês de novembro de 1978. O primeiro templo da cidade estava erguido em honra
do grande Senhor da seara, marco pioneiro da Junta de Missões Nacionais.
Experiências confortadoras
tivemos com o Senhor ali naquele campo; entretanto, nem tudo era gozo e
alegria.
O inimigo do Senhor tudo fez para
nos desanimar naquela empreitada. Ah, não foram poucas as vezes que eu fiz com
a minha esposa aquele percurso de 240 quilômetros através da selva para ela
falar de Jesus a uma classe com 5 crianças e todas das famílias evangélicas. As
outras poderíamos ver de pescocinho espichado, curiosas querendo se aproximar
dos crentes, mas proibidas de fazer. As pessoas da cidadezinha se tomaram
arredias e indiferentes e, infelizmente, tal comportamento se notou até mesmo
entre alguns membros das famílias crentes.
Certo domingo, a pressão foi
demais sobre nós! Parecia que todo nosso esforço era em vão. Para piorar ainda
mais a situação os primeiros botequins foram abertos, as primeiras mesas de
jogos foram expostas e até alguma coisa tipo boate foi inaugurada. Saímos à
tarde para distribuir folhetos, convidar as pessoas para o culto e estar também
a sós desabafando-nos mutuamente. Ficamos desapontados e tristes ao vermos
vários dos jovens daquelas famílias se divertindo naqueles ambientes.
Amargurados, começamos a andar à procura de um lugar onde pudéssemos estar a sós
com Deus para podermos contar a Ele todo o nosso desgosto, falar-lhe em oração
da nossa tristeza;
Só Ele poderia aliviar-nos.
Entramos na mata, e, naquele abençoado silêncio, nos ajoelhamos suplicando por
auxílio Divino. Choramos diante do Senhor, pedindo misericórdia sobre aquelas
vidas e também que nos revelasse algo que porventura estivesse errado conosco,
com o nosso ministério. Benditos momentos foram aqueles. Nem sentíamos os
insetos que nos picavam às dezenas. Levantamos dali confortados, com as forças
renovadas para a batalha.
Enxugamos as lágrimas e retomamos
a estradinha de volta. Naquela noite o culto foi abençoadíssimo. A escolinha
que nos foi cedida não comportava todas as pessoas que iam chegando. Pudemos
sentir o Espírito Santo atuando maravilhosamente em nosso meio naquela
oportunidade. A indiferença parece ter dado lugar a corações sedentos e abertos
à Palavra, cumprindo a promessa do Senhor: "Invoca-me e te responderei.
Anunciar-te-ei cousas grandes e ocultas que não sabes." (Jr 33.3).
Os demais membros da numerosa família
Gonçalves, alguns de Vilhena, outros de São Paulo, etc., se juntaram finalmente
em Juína; e agora sim, os cultos eram realizados também nos sítios e nos
arredores da cidadezinha onde se fixaram. Deus usou muito, vários irmãos dessa
farru1ia, fiéis e dedicados, para a propagação do Evangelho naquela região,
que, começando a ser desbravada e a receber os primeiros habitantes, precisava
estar saneada com o puro Evangelho de Cristo. Os frutos foram se multiplicando
para o louvor do Nome de Deus. Durante um culto realizado na propriedade dos
Gonçalves, chamou-me particularmente a atenção o rosto de uma senhora que,
iluminado pela luz da lamparina de querosene, mostrava toda a atenção com que
acompanhava a mensagem da Palavra de Deus. Ao finalizar o culto, D. Margarida
aproxima-se ansiosa e diz:
"Pastor, o senhor precisa
pregar esta mensagem para o meu marido, ele é terrível, violento, bebedor de
cachaça, e ruim para mim e para as crianças. Ele precisa ouvir assim como eu
ouvi hoje a respeito de Deus. Vai lá em casa amanhã, por favor. Vá almoçar com
a gente". Vendo-a vestida pobremente, assim como as crianças, de pezinhos
no chão, fiquei constrangido pela sua insistência, porém, indeciso quanto ao
fato de aceitar ou não o convite. Ela, entretanto, venceu e eu fui. Queria
mesmo ir, porém apenas para visitar a família, evangelizar, etc.; mas ela não
abriu mão do tal almoço.
Ao chegar a seu rancho no dia seguinte,
fiquei ainda mais preocupado e me perguntando se deveria ter ido para almoçar.
A miséria era total, assim como a sujeira. O barraco era preto. O calor era
insuportável àquela hora do dia, com aquele plástico pouco acima das nossas
cabeças. O mau cheiro era terrível no ambiente, melhorando um pouco somente
quando a mulher destampava as panelas que estavam sobre uma chapa de ferro
encarvoada, num fogão improvisado.
"Senhor, ajuda-me! A tarefa
será difícil... almoçar aqui..."
"Seu" Antunes, quando
soube da minha visita saiu cedo de casa para o mato, e a mulher não fez nenhum
mistério sobre a ausência do marido; disse mesmo que ele saíra porque não
queria ver crente na casa dele, muito menos pastor.
Ao servir o meu prato, procurei
desviar a atenção das galinhas sobre a cama, das crianças nuas e imundas que
exibiam os narizinhos escorrendo e rostinhos encardidos.
Deus me ajudou e consegui almoçar.
A comida estava bem saborosa. No desenvolver da conversa, após o almoço, pude
perceber a grande infelicidade daquela mulher, e do imenso desejo de ver o marido
mudar de vida. As brigas do casal eram constantes, chegando ele, certa ocasião,
a descarregar sua espingarda em sua direção, à curta distância, não a atingindo
somente porque Deus usou de misericórdia para com ela e os filhos. Os filhos,
como ela nos contou, tinham medo do pai, que dormia sempre com a arma sob o travesseiro.
Uma tragédia poderia acontecer a qualquer hora.
"E ASSIM, SE ALGUÉM ESTÁ EM
CRISTO, NOVA CRIATURA É... "(Il Co 5.17a).
Ficamos algum tempo longe do
campo em viagem de férias. Ao retomarmos, estávamos ansiosos por saber do
desenvolvimento do trabalho dos novos convertidos, etc. Fomos informados que em
Juína a obra ia muito bem, e que havia uma família recém-convertida muito
especial, e Wilson e Célia haviam estado em casa deles e até almoçaram lá. Que
casal simpático o Sr. Antunes e D. Margarida! Como nos sentimos bem lá, como é
gostoso estar na casa deles, como tem prazer na Palavra de Deus!
Teria sentido o que estávamos
pensando? Seria quem nós estávamos imaginando? Maravilhados, tomamos
conhecimento da bendita transformação que Deus operara naquele lar. Não
podíamos crer no que víamos quando fomos a Juína. O barraco feio havia sido
demolido e, num plano mais elevado, foi construída uma casa ampla que o seu
Antunes, cortando ele mesmo toda a madeira a machado, ergueu sozinho. O piso de
terra batida era quase tão perfeito quanto um piso de cimento. Sobre a mesa,
coberta com uma toalha muito alva, Bíblias, Hinários e outras literaturas
evangélicas. O casal e os filhos vestidos com simplicidade, mas todos muito bem
limpinhos e bonitos.
Podíamos respirar uma atmosfera
cristã no seio daquela família. Só mesmo o poder do Senhor Jesus poderia ser
diferente: Um exemplar da Palavra de Deus havia sido entregue ao chefe da casa
por minha esposa depois de termos lido alguns textos e orado com ele em uma de
nossas últimas visitas. Num dia de grande depressão, amargura e desânimo,
lembrou-se da Bíblia que, empoeirada, jazia esquecida sobre um guarda-roupa.
Tomando-a começa, com avidez, a devorar os textos que pareciam saltar aos
olhos. Esquecidos de tudo mais, lia página após página do livro Sagrado. Sem
qualquer alimento material durante todo o dia, porém saciado com o Pão do Céu,
no finalzinho da tarde, rindo e chorando ao mesmo tempo, aproxima-se de sua esposa,
compartilhando com ela da alegria que lhe enche a alma:
"Agora eu sou um
crente!"
Que regozijo havia em nossos
corações no momento em que recebíamos, após algum tempo, por profissão de fé e
batismo o casal; batizando também todos
os seus filhos. Quem pode resistir ao apelo do Espírito?
RUMO AO ARIPUANÃ
A 260 quilômetros de Juína estava
Aripuanã. Deveríamos atingir também essa localidade.
Nossa primeira viagem a esse lugar
foi bastante penosa. Após passar um fim de semana em Juína realizando trabalhos
evangelísticos, continuamos em frente pela estradinha rasgada no meio daquela
imensidão verde. Alguns trechos da estrada eram péssimos, quase que
intransitáveis para o "fusquinha" da Missão.
Um dia inteiro durou a nossa
viagem. O sol estava se pondo quando deparamos com uma bifurcação na estrada.
"Que caso sério"!
Nenhuma placa ou qualquer outro
meio de informação, naquela mata.
Esperamos indecisos, aguardando
que enfim pudesse passar por ali algum veículo, ou alguém aparecesse, mas nada!
Não adiantava esperar. A noite chegava.
Na areia, pegadas frescas de onça denunciavam que as feras deveriam estar por
perto. Encontramos mais adiante um caminhão quebrado cujo motorista já esperava
há uma semana, peças que alguém fora buscar para o seu conserto. O homem, após
o anoitecer, não saía da cabine do veículo de forma alguma e passava quase que
a noite toda de sentinela.
"As “bichas” metem medo
mesmo", dizia. Pedimos a direção de Deus e seguimos por uma das estradinhas.
Era tão ruim, cheia de pedras, que a todo o momento pareciam rasgar a
"barriga" do carro. Cansada, preocupada e incerta quanto ao caminho,
Dorcas, em determinado momento, exclama:
"Senhor, faça com que esta
estrada fique boa!" Que oração!
Mas, por incrível que pareça no
mesmo instante começamos a rodar macio, numa estrada larga e plana. Estávamos
chegando ao Aripuanã.
O relógio marcava 8:00 horas da
noite.
Quanta alegria e gratidão a Deus!
Habitava aquela região de Serra
Morena os índios Cinta-Largas, com os quais tivemos pequeno contato em Juína.
Por sabermos que eles armavam emboscadas ao longo da estrada e atacavam,
louvamos realmente ao Senhor por termos chegado guardados por Ele.
Procuramos uma pensão para passarmos
a noite, e encontramos uma de terceira categoria, onde tivemos como companhia
baratas, aranhas, etc.
No dia seguinte, tudo pareceu mais
bonito. A natureza era exuberante! Ouvíamos o estrondar contínuo da grande
cachoeira Dardanelos, do rio Aripuanã, largo e majestoso. Saímos à procura do
único casal presbiteriano que soubemos residia ali: Sr. Adolfo e D. Maria.
Ele foi o pioneiro na construção
daquela estrada no meio da selva, trabalhando a serviço do governo do Mato
Grosso.
Depois dos primeiros contatos,
nos preparamos para o primeiro culto que deveria ser realizado ali, naquela
noite. O culto foi abençoadíssimo! Inúmeras pessoas acorreram ao local, tomando
literalmente todos os lugares nos bancos que o nosso irmão havia improvisado
diante da sua casa. Havia muita gente em pé, ouvindo com atenção a mensagem do
Senhor. Um jovem, no meio dos presentes, soluçava, chamando nossa atenção, Ao
terminar o culto, veio ao nosso encontro, dizendo que precisava urgentemente
conversar conosco.
Marcamos para a manhã seguinte,
num local próximo à cachoeira.
Enquanto caminhávamos, ele nos
contou sua história: havia planejado e participado do massacre de quatro
pessoas que haviam assassinado o seu irmão. Ele chorava, repetindo que o sangue
daquelas pessoas pesava sobre o seu coração e em sua consciência e nos
perguntava:
"Será que Jesus pode ainda me
perdoar? Haverá perdão e salvação prá mim?" Ajoelhamos com ele naquele
local e oramos entregando-o ao Senhor Jesus, suplicando paz, conforto e o Seu
perdão para aquele moço. Até certo tempo soubemos de sua participação nos cultos,
porém, o perdemos de vista. Esperamos que o Jessé esteja firme em Jesus!
Aquela reunião foi o marco
inicial da obra em Aripuanã. O terreno para a construção do futuro templo fora
demarcado, a madeira já começava a ser encostada e em breve o início da
construção se daria.
Estávamos muito felizes, apesar
da preocupação com a extensão do campo e a dificuldade em atingir os pontos.
De Colorado, em Rondônia, ao
Aripuanã, em Mato Grosso, eram aproximadamente 600 quilômetros em estrada de
terra; distância maior que o percurso entre Rio e São Paulo.
Apesar das dificuldades das
jornadas, quantos momentos preciosos e de comunhão gozamos, eu e minha esposa,
enquanto rodávamos na calada da noite por aquelas estradas desertas. Ao virmos
de Juína ou Aripuanã, era impossível, ao avistarmos as luzes de Vilhena, não
encostarmos o carro para elevarmos as nossas orações, agradecidos, louvando ao
Senhor por mais uma viagem concluída sob sua proteção.
Foi numa dessas vezes quando, dentro
do carro, contritos orávamos, percebemos a aproximação e parada de um veículo
que tinha os seus faróis altos em nossa direção. Continuamos a orar; entretanto
percebemos que o nosso carro fora cercado. Homens armados de metralhadoras
apontando-as para nós. Sim, foi o que vimos quando abrimos os olhos!
Abri a porta para sair e um deles
engatilhou a arma, perguntando:
"Quem é você e o que faz
aí?"
"Sou pastor... estamos
voltando de Juína, onde fornos realizar um culto..."
Dorcas colocou a cabeça, enrolada
para abrigar do frio da madrugada, para fora do carro e disse ingenuamente:
"Nós estamos orando."
"Saiam do carro! Saiam do
carro!"
Depois de nos revistar, pediram
desculpas e se apresentaram como policiais e que estavam à procura de dois
bandidos. Eles eram policiais à paisana.
"Que fizeram eles? São daqui
mesmo?"
"Não, pastor. Devem ser de
fora. Assassinaram um homem num boteco há poucos' minutos e fugiram num carro
semelhante ao de vocês."
"Que Deus possa abençoar e
proteger vocês nessa captura perigosa!" foi o que pudemos dizer.
"Porque eu, o Senhor teu Deus, te tomo pela tua mão direita, e te digo:
Não temas, que eu te ajudo." (Is 41.13).
Não havendo enfermidade, não se
pode comprovar a eficácia de um remédio; não havendo provações, não podemos
avaliar o grau da nossa fé.
Há um hino, cuja letra diz:
"No crepúsculo, sombras vêm
à terra.
Ao descanso, todos convidar!
Deus, porém, promete a alvorada,
E, das nuvens, sombras dissipar.
Sombras, Deus está nas sombras,
Grande é Seu amor em cuidar de
nós!
Sombras, Deus está nas sombras,
Não me deixará lutar em dor a
sós!
É em momentos difíceis da nossa
vida que Deus se manifesta de maneira mais maravilhosa. É nas dificuldades e
aflições que sentimos mais junto ao coração a presença de Deus.
Somente quando se esvai toda a
esperança miserável do nosso coração em resolver com nossas próprias forças os
nossos problemas, que Deus se manifesta. E essas manifestações da bondade e
poder de Deus se revestem de tal significado para nós, que não nos contemos sem
erguermos as vozes em louvor a Ele. É tal a alegria que sentimos ao vermos Deus
agir tão miraculosamente que somos invadidos por gozo indizível.
Foi assim, quando numa tarde de
domingo, ao sairmos de Juína, percebemos que o combustível era insuficiente
para a viagem de retomo a Vilhena. Havíamos transportado várias pessoas
desejosas de irem à igreja e que, doentes, não podiam andar. Socorremos ainda
um homem gravemente acidentado durante uma derrubada, levando-o ao Posto de
Saúde de Juína e nós estávamos bem distantes do tal posto.
Quando finalmente pegamos a
estrada para Vilhena, tínhamos certeza de que o combustível não seria
suficiente para percorrermos os 240 quilômetros. O recurso, entretanto, era
arriscar. Não havia o que esperar, pois em Juína não havia onde abastecermos.
Pensando nos compromissos daquela noite e que talvez pudéssemos esperar até uma
semana por gasolina, resolvemos pegar a estrada. Oramos durante todo o percurso
eu e o Rev. Ricardo. Quando faltavam cerca de oitenta quilômetros para
chegarmos, o ponteiro já estava "colado" na reserva há muito tempo.
"Vou dizer por que não temo!
Porque não tenho temor! Eu não temo mesmo nada! Pois eu tenho o Senhor."
Cantávamos e orávamos.
Um quilômetro mais vencido,
cinco, vinte, cinqüenta, e, quando finalmente avistamos as luzes da cidade
dissemos:
"Já está muito bem, Senhor,
pode fazer o carro parar aqui mesmo, pois, do contrário já é luxo". Mas
Deus nos levou até a porta da igreja que já estava repleta para o culto,
faltando apenas alguns minutos para o seu início. Poderíamos deixar de derramar
lágrimas de gratidão pelo que o Senhor havia feito por nós?
"Mas, pastor, não estaria o
marcador de combustível enguiçado?"
"Não. Não estava."
"Mas o senhor está me dizendo
que o carro andou sem gasolina?"
"Eu não disse isso. Não sei
o que Deus fez. Ele pode ter feito o carro andar sem gasolina, como pode tê-Ia
multiplicado... de uma coisa sabemos: O carro não parou até chegarmos aqui;
Aleluia!"
São tantas as manifestações do
amor de Deus, que, quando pensamos em terminar a narração das nossas
experiências, outras nos vêm à cabeça, e gostaríamos de compartilhá-las com
vocês; se isso não lhes cansar, caros leitores.
Em outra oportunidade, trafegando
por essa mesma estrada, eu estava quase pegando no sono após ter entregado o
volante para o missionário Wilson, pensando em repousar um pouco, quando um
ruído nos assustou a todos. Todos que estavam cochilando foram despertados, mas
logo se tranqüilizaram, pois era comum as pedras baterem na parte inferior do
veículo. Mas, depois de rodarmos algum tempo, a luz vermelha do painel se
acendeu, indicando que estávamos sem óleo.
Paramos. Desci e constatei que
vínhamos perdendo o mesmo pela estrada afora e deixando uma linha escura pelo
chão. Pensei em salvar o resto de óleo que ainda sobrava. Peguei a vasilha em
que trazíamos água e atirei-a fora, mas foi em vão, pois o óleo já havia
escorrido todo. Agora estávamos sem óleo e sem água. Eram duas horas da madrugada.
Fazer o quê? Tentamos repousar. Assim que clareou o dia, Wilson calculou que a
uns dez quilômetros à frente estava uma serraria e disse que iria lá buscar
socorro. Ele havia tido malária e ainda estava fraco, mas não conseguimos
dissuadi-lo e ele achou melhor que eu ficasse com as mulheres e as crianças.
Saiu mais ou menos pelas seis horas, dizendo que logo estaria de volta, pois
estava acostumado a andar a pé.
O sol foi subindo, o calor
aumentando e não havia sombra para nos escondermos.
"Por que será que o Wilson
está demorando tanto?"
"Não sei. Isto está insuportável
para as crianças." Ronie (três aninhos) começou a chorar:
"Vamos “embola”... "
Ao ver o sofrimento das crianças,
tomei uma decisão:
"Não dá mais para ficarmos
aqui. Vou pôr o carro para funcionar e ... seja o que Deus quiser!"
Os rostinhos das crianças
brilharam quando o carro "pegou".
Ao avistarmos a curva pensamos
que a serraria podia estar logo depois dela... Que decepção, quando atingimos a
curva!... Só uma reta à nossa frente e nada de serraria!... Paramos novamente,
pois o motor poderia fundir.
"Pastor, o Wilson já deveria
ter voltado. Ainda mais vendo que não há serraria alguma por aqui!"
Com as crianças nos braços,
começamos a caminhar.
A sede era insuportável, o sol
abrasador... um, dois, três quilômetros... não suportávamos mais o cansaço e as
crianças estavam a ponto de desfalecerem! Deitamos um pouco no chão. Logo em
seguida continuamos a caminhada... um silêncio profundo apenas quebrado pelas
nossas pisadas no cascalho. As folhas das árvores não se mexiam. Não havia
nenhuma brisa. Num dado momento eu e Dorcas nos entreolhamos com o mesmo
terrível pressentimento: seguindo as pegadas do Wilson, via-se rastro de onça!
"Senhor, guarda o teu servo", orávamos em silêncio, enquanto
procurávamos distrair a sua esposa.
Caminhávamos já sem forças. De
repente, não suportando mais, caímos os três de joelhos clamando a Deus que
tivesse misericórdia de nós, que viesse em nosso socorro. Estávamos ainda
orando quando ouvimos um ronco e olhamos para o céu e vimos um avião. Nos
apressamos em agitar panos e a gritar, mas ele estava muito alto e nada
adiantou a nossa euforia.
Novamente nos pusemos a caminho e
outra vez ouvimos um ronco e desta feita um caminhão, que vinha vagaroso e nos
apressamos a encontrá-lo.
"Motorista, o senhor viu
alguém caminhando pela estrada?"
"Não, senhor, moço. Ninguém
desde que saímos de Vilhena."
"Falta muito para chegarmos
até a serraria?"
O ajudante resolveu falar:
"Ela fica a uns dez
quilômetros ... "
O motorista protestou: .
"Dez quilômetros de Vilhena,
Daqui prá lá ainda tem trinta...
Olha, moço, nós não podemos
ajudar vocês em nada, a única coisa que posso arranjar é uma garrafa de água,
serve?"
Ele nos deu uma garrafa de água
mineral geladinha! Que coisa maravilhosa! A sede era tanta que as crianças
quase acabaram com a água. Sobrou um pouquinho pra gente molhar os lábios e
ainda reservamos um restinho.
Continuamos a andar, na esperança
de encontrarmos logo com o Wilson. Uma "caçamba" carregadinha de
tijolos vinha levantando poeira e nós fomos para o meio da estrada acenando
para que o motorista parasse. Assustado, ele nos disse que não havia visto
viv'alma por onde havia passado.
"Estou atrasado, não posso
voltar até Vilhena, mas posso levar vocês até ao bar da cachoeira... lá
certamente encontrarão óleo pro carro, comida e água."
Como não havia outra escolha, subi
na carroçaria sobre os tijolos e Dorcas, com Célia e as crianças, foram na
cabine. Saímos dali aos trancos, comendo poeira... Lá de cima eu pensava:
"Oh, Senhor, Vilhena já estava tão perto e vamos voltar quase setenta
quilômetros!" Lá na cabine, minha esposa só pensava em chegar à cachoeira
e cair no rio, pois Com a sede que ela estava, até que morrer afogada era uma
grande bem-aventurança!
Com os olhos lacrimejantes por
causa da poeira, enfim, chegamos. Havia um ônibus parado em frente ao bar, que
estava repleto de gente comendo petiscos e bebendo refrigerantes. Estava sendo
inaugurada a linha de coletivo entre Juína e Vilhena!
Fomos logo pedindo água e nos
serviram nos Costumeiros copinhos. Dorcas teve vontade de chorar e disse:
"Moço, nós queremos muita
água!"
Os fregueses entenderam a nossa
situação e nos ofereceram seus refrigerantes e nós, sem nenhuma cerimônia,
íamos bebendo tudo!
Ainda estávamos com sede, mas,
mesmo assim, entramos no ônibus e avisamos o motorista que parasse tão logo
avistasse um fusquinha avariado ... e louvado seja Deus! o irmão Wilson já
estava ali nos esperando, quando descemos do ônibus.
Ele havia lido o bilhete que
deixamos no pára-brisa. Exausto, após ter andado 26 quilômetros; mas contente
por estarmos todos bem, voltamos os dois veículos juntos: o fusca e o ônibus.
As crianças, após saciarem a sede
e tomarem banho e se alimentarem, dormiram bem e acordaram alegres e dispostas,
assim como nós também, graças a Deus. A lição que Ele nos deu, jamais será esquecida:
todo cuidado é pouco ao trafegarmos por lugares desertos.
Aquelas doze horas de apuro, nos
ensinaram a mantermos o carrinho da missão super equipado; um verdadeiro
"Pronto Socorro" da estrada. Assim foi que numa das viagens
seguintes, quando trocava um pneu furado, a mocinha que estava conosco nos
avisou:
"Pastor, a roda do outro
lado está chiando." Era outro pneu que também furara! Mas... agora
estávamos prevenidos!
A velha perua Rural da missão
estava lá, atolada até os eixos. Estávamos indo dirigir um culto numa
localidade distante do patrimônio, no Colorado. De tudo já havíamos feito para
desatolar o veículo e nada! Já havíamos tirado a carga, cavado, calçado as
rodas, empurrado... não tinha jeito. Parecia que atolava mais!
"Por que será isso,
Senhor?", pensava a minha esposa e comentava com Célia. Vendo, um pouco
acima, no fim da ladeira, um casebre, resolveram ir até lá para dar água às
crianças e falarem do Evangelho aos moradores, caso houvesse oportunidade.
Entregaram folhetos, falaram do amor de Deus e da salvação em Jesus àquela
família.
Fomos instantes depois, também.
Lemos a Palavra, oramos, Dorcas deixou a Bíblia lá e voltamos para o carro.
Wilson resolveu tentar mais uma vez: deu partida, acelerou e sem esforço algum
a Rural saiu do outro lado.
"Da próxima vez", disse
um dos nossos companheiros, "antes de qualquer coisa, vamos perguntar:
Onde é a casa, Senhor?"
Deus, através desta e de muitas outras
experiências, nos ensinava a manter serenidade em condições as mais adversas. E
como é gratificante podermos mostrar, por Jesus Cristo, um comportamento que
testemunhe a Sua Presença em nossos corações. Os incrédulos ficam admirados!
Prova disso se deu quando
levávamos para o campo essa mesma Rural a qual havíamos ganho para a obra
missionária. Experimentávamos, palmo a palmo daquela estrada, que era uma
verdadeira calamidade, momentos de preciosa comunhão com o Senhor.
Ajudávamos a recolocar a carga de
bolachas que havia sido lançada ao chão quando, num atoleiro, o caminhão
tombou; havia uma enorme ma de caminhões parados por causa do acidente e todos
se apressavam na tarefa, pois era urgente que se saísse dali o mais rápido
possível. O tempo estava ameaçador. Se recomeçasse a chuvarada, a coisa iria
piorar naquele lamaçal. O ambiente era horrível: palavrões, lamúrias,
blasfêmias, um praguejando contra o outro, etc. Como nos sentíamos mal com
isso, especialmente Dorcas! Porém, quieta, trabalhava também. Em dado momento, um
homem se dirige a mim e pergunta:
"Quem é aquele barbudo
ali?", e apontava para o nosso companheiro de viagem.
"É pastor evangélico,
missionário, Rev. Luis Ricardo", respondi.
"Só poderia ser mesmo alguém
em comunhão com Aquele lá de cima para estar com aquela paz no rosto!",
respondeu o homem.
Glorifiquei a Deus naquela hora,
pelo fato d'aquele irmão estar cheio do Espírito Santo, fazendo transparecer no
seu rosto a beleza de Cristo.
Congregação de Rodrigues Alves, AC. O mesmo modelo de construção foi usando na congregação de Juína.
Agradecimento ao Reverendo Luciano Breder
É com imensa gratidão que registro aqui o meu sincero agradecimento ao Reverendo Luciano Breder por compartilhar conosco um relato tão rico sobre sua jornada missionária e a história de Rondônia. O texto que me foi confiado em 2008 é um verdadeiro tesouro, trazendo à tona desafios, conquistas e a fé inabalável daqueles que ajudaram a construir esta terra.
Ao publicar esse precioso material, reforço minha admiração pela coragem e dedicação do Reverendo Breder e de todos os pioneiros que enfrentaram adversidades para levar não apenas a palavra de Deus, mas também esperança e progresso às comunidades rondonianas. Que sua história siga inspirando gerações e que este testemunho permaneça como parte do legado cultural e espiritual do nosso estado.
Muito obrigado, Reverendo Luciano Breder, por enriquecer a história de Rondônia com suas palavras e vivências!
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